domingo, 28 de dezembro de 2008

Do Sonho II

Tomo toda minha vida
em tuas gotas de chuva;
água vítrea e etérea
falam-me cruzadas de flores.
Ah! Sempre as flores
a adornarem tuas raízes...

Ao meu espanto
vejo-me vestida de sol.

Do Sonho I

Não. Não sonho com tintas úmidas.
Sonhos com Perséfones e Júlias.

Sonho crepúsculos nas dançarinas,
faço-me colheitas e gardênias esquecidas.

Escrevo-me adornos que não vivi,
arabescos e folhas que nunca esqueci.

Ao longe desenho verbo de lágrimas,
faço-me sorriso nas noturnas acácias.

Faço-me fêmea de papel. Sonho-me eras.


sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Do Crepúsculo

À sombra de minha videira

Vejo mil resinas de mel

E respirar torna-se possível.

 

À sombra de minha videira

Vejo mil deuses às portas

E o canto torna-me possível.

 

À sombra de minha videira

Vejo mil luas nas lágrimas

E entender-me era possível.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Cirandas

Nas tuas cirandas

perdi-me infância.

Perdi-me criança

em saias rodadas de sal.


Perdi-me tranças.


Nos laços de fitas

contei-me manhãs.

Soube-me breves

entardeceres.

Soube-me suspensa

nas contas dos vidros

banhadas de flores.

Suaves flores que não vi...


Flores que sempre bebi.

sábado, 13 de dezembro de 2008

À Margem

Ele sentou-se diante do lago,

mas não ouviu as cantatas.


Dançou as ondas com os dedos,

mas não sentiu a verdade das águas.


Dos lábios não tocou a profundidade

da luz e não percebeu a fala das pedras.


Pequenos cascalhos clamaram seu nome

entre os galhos, mas os peixes não te disseram.


Musgos aos pés, o leito chorou-lhe em silêncio.


 


 

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O beijo de quimera

Veja. As vigas de vinho 
não estão mais unidas.

Do teu beijo negado 
vejo o luto das folhas,

a ferida das uvas... 
orvalhos maculados.

Do teu beijo negado 
a marca na terra e noite

cravam auroras esvaídas. 
Erguem quimeras de leito,

secam o toque. A parreira. 
Nasce o semblante atordoado.   

Beba... não mais as vigas. 
Não mais os vinhos. Beba.



quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Adoculare

Para R.

 

Teus olhos são como esquadros

Amanhecem como o tempo.

 

Renascidos de profundos espelhos

bebem toda a noite dos homens

silêncio etéreo e enlouquecido.

 

Tomam a ironia das máculas

e traçam uma tinta de águas.

 

Vingam as linhas dos dias

as rédeas de nossa utopia,

rascunham cores fendidas.

 

Teus olhos e os esquadros

brincam o desenho do Tempo —

 

limite.

Entressafra

luz suspensa das serras

há de me falar uma conta

de pérolas colhida na exaustão

do mar. Nessa forma recolho-me

cantigas de águas esquecidas.

 

Recolho-me horizonte.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Avatar

Lúcia,

Pudesse ver os teus cílios de fome. Saudades da tua cara lavada, alva de lábios finos e sedentos de hibiscos. Adoro teus cabelos soltos nesse louro forçado, no embaraço em meus anéis de histórias e ventos.

Ah! Teu corpo pequeno e louco, precisamente branco no dialeto de nossos copos... (frase tão óbvia para quem deseja escrever um livro). Os loucos, Lúcia, comem a carne do verbo. São, apenas.

Comprei uma prosa de Hilda, Estar Sendo. Ter Sido. Sinto-me , Lúcia, na catarse de um gozo nesses dedos de mentiras. Fodida, persigo a distância de um dia — de olhos que nunca mais verei como um sorriso falso de bijuteria. O brilho idiota de ser; a rosácea fingindo o dia colorido.

Hoje tenho o sabor de procriar engodos nas coxas e escrever-te híbrida ao trago do vício.

Tantos pontos e vírgulas jamais me dirão... tu que bem me conheces guarda-me no teu silêncio irritante (sabe-me mais flores que as baladas da terra). Guarda-me memória no teu licor.

Peço-te, Lúcia. Deite-me inverno, não mo deixes esquecer o perfil perfeito, aquele dia liso. Não mo deixes esquecer o toque escorrido de um laço desfeito na nuca e o gemido dos incensos.

Não mo deixes esquecê-lo.

Porque a verdade, Lúcia, está sempre presente num gole de cinzas.

_____

Imagem: Avatar, Ana Magalhães, 2008

Menino de Flores

Colho gardênias em teu silêncio

meu ventre aproxima-me raízes.

 

Nessas flores de teu sorriso

descanso incensos das noites

 

teu aroma em meus olhos

acalanta o mergulho e o cálice.

 

Uma biografia de águas

desenha seu sono de pétalas

 

e nessa vigília em teu perfil

bebo o sabor etéreo das peças;

 

canto do Menino de flores

a saber-me polens e caules,

 

gardênia de silêncios

a bailar-me lenços e frêmitos.

Enleios

Adorno-me de histórias

nos teus longos cílios.

 

Teu sorriso de menino

soprou-me dragões e heras

 

e nas asas desses mitos

conto lágrimas nas conchas,

 

tão sozinhas conchas

de noites e meninas.

 

Seus vestidos não giram

mais como tulipas d’água,

 

aquelas uma vez semeadas

nas marés dos azeviches...

 

Delicados dedos nesse sorriso

e na ciranda um sonho de sementes.

 

Repares, a nota nos meus negros

ditam luzes de raízes, terras de mim ou de ti.

 

Tocam auroras e vôos que não me sei,

águas que apenas imaginei...

 

Vês. Essas letras intentam

alma das árvores, a lama

 

da argila deitada à beira no teu rio.

Teus longos cílios talvez

 

não entendam as partituras

de algodão e trançasmas saiba...

 

esse sopro na nota tênue,

no céu distante de lentes

 

deixa-nos etéreo ao movimento dos peixes.

Absinto


Provei-te-me.

Macia, revelaste a lucidez das luzes.

Tão densas, lentas na escuridão das cores...

Deitei-me contigo.

Amei-te.

Hauriu-me a calma desta névoa em cálice.

Fugidia, soube. Tomou-me pétalacama.

Sofreu-me olhos verdes, contei-te memórias.

 

Pés de descanso sentiram-me nua...

gole.

Noite de Papéis

Noite de papéis...

deito-me orfeus em aguadas.

 

Noite de papéis e a

música puída aos dedos.

 

Talvez meus espaços,

lacerados, prenhes às telas.

 

Talvez...

 

clamando veras.

Cansei de lutar contra os lírios

Cansei

De lutar contra os lírios.

 

Sou-te

Nesta curva clara

Alongada concha

Nas sombras vagas.

 

Nestes caules

Esquecidos

Sou-me

Imprecisos e pistilos...

Não vejo os polens.

In Memorian

Tenho areias e peixes neste abraço.

noite embaraçada aos cabelos

vidas adornando-me os lábios.

 

ponteiro no cílios

passos encerrados aos dedos

e cardos em uma foto prateada.

 

carvão de meus olhos

conta-me tecidos desfeitos

urnas ajeitadas ao colo

 

observam o silêncio das pernas

sombra nas roupas e o

resgate no cheiro da terra.

 

Tantos peixes.

Intermináveis areias...

Nos seios o silêncio de um sal

 

e a curva da memória neste abraço.

O Laço e a Menina

Ah! Hilárias tintas!

Tolos desenhos de meus dias.

 

Tela manchada de cores e preces;

pedaços rasgados

— a ingênua posse de um rosto.

 

Pincéis de um  aguado

marcam-me os braços.

 

Findar este traçado?

laço do vestido esmaece...

Um Livro

Gostaria de escrever um romance

das linhas que me habitam.

Descrever o sombreado e as luzes

e a terra vermelha do meu passado.

Contar a floresta deste tempo

e o indivíduo (outono) do acaso...

Doceamor conturbado,

secreto em longínquos vasos.

 

Neste livro teria a pergunta

que não me fala diante dos olhos.

Teria a sede das entrelinhas

e o sopro tão tênue das ruas...

Perene e vazia encontraria a saída

neste brancoNão.

Seria apenas mais uma utopia,

capa desenhada, bem articulada

nas memórias desta pele e árvore

de mentirasMeu fruto contaria

os invernos e o corpo das olarias.

 

E, euepígrafe nas noites em

que tu habitas a última força

do nanquim e minha maldade

neste traçoNão me olhes assim...

Sou negra e letra na folha que não vivi,

sou a voz e a faca desta água escassa.

Apenas o fio entre o pincel e o nada.